"Ciclo pagão, judaico, cristão, a Páscoa celebra um momento fundamental da vida espiritual e física do colectivo: a passagem. Seja o festejo do princípio da Primavera, a libertação do povo hebreu ou a morte e ressurreição de Cristo, o período pascal é investido de forte carga simbólica, que extravasa a comemoração cultural e religiosa. Sentimos a mudança – no vento retemperador, na frescura da chuva, nos primeiros arremedos do sol estival -, não a verbalizamos.
Um sentimento de esperança e de renovação a todos impregna duas tradições sagradas de oferta: o tradicional folar e as amêndoas, e o ovo da Páscoa, símbolo máximo da época.
Egípcios e persas tingiam ovos de cores primaveris. Britânicos e alemães escreviam mensagens nos ovos que ofereciam.
Os bairros parisienses do século XIII eram palco de período anual dos ovos de Páscoa.
Na Arménia decoravam-se ovos com retratos de cenas religiosas.
Na Rússia, a própria “Grande Catarina” mandou criar uma fábrica imperial em São Petersburgo para se fabricarem Ovos de Páscoa em porcelana.
A razão e o porquê da sua generalizada presença entre os povos esvaneceu-se na voragem da História, não deixando rasto algum à memória. Imortalizados na lembrança pela recordação de um presente de sabor refinado, os Ovos de Páscoa encontraram na mestria com que se trabalham as ancestrais “artes do fogo” um objecto sublime e insuperável em beleza, encanto e simbolismo.
Não temos o hábito de memorizar a estrutura, a origem das festas e feriados aos quais nós estamos acostumados. Nós falamos de Páscoa, mas quase todos nós esquecemos o que significa exactamente a Páscoa. Para percebermos isso basta perguntarmos uns aos outros “o que é a Páscoa? O que se festeja?” basta perguntar e constatamos que a nossa ignorância não é solitária. É colectiva.
A palavra Páscoa deriva de “pessah” - de origem hebraica – que significa passagem. Pessah é uma festa anual Judaica que comemora a saída dos Judeus do Egipto, e o facto que tornou possível essa saída: a passagem do anjo da morte que matou todos os primogénitos egípcios, poupando as casas dos israelitas, marcadas com o sangue do cordeiro sacrificado. É uma festa de liberdade mas também uma festa de recomeço.
Foi durante as celebrações da Pessah que, mil e quinhentos anos mais tarde, Jesus Cristo foi preso, condenado à morte e crucificado. Três dias depois ressuscitou e este é o acontecimento mais importante da religião católica, a celebração que, depois do Natal, congrega maior número de fiéis. Aqui também se regista uma passagem: a passagem da morte à vida.
Para a Rússia ortodoxa a Páscoa é a festa religiosa por excelência e mesmo os que abandonaram a religião celebram a Páscoa por tradição ou por respeito a algum membro ou membros da família. A festa da Páscoa é também a festa da Primavera e da renovação agrícola e há ritos pascais que estão ligados a celebrações de religiões anteriores ao cristianismo, na Síria, na Ásia Menor e em Creta.
A Páscoa judaica é uma festa fixa e está ligada ao calendário que segue o ritmo lunar. A Páscoa cristã é uma festa móvel e obedece ao calendário solar. A data da Páscoa foi fixada em 325 pelo Imperador Constantino para o Domingo seguinte à lua cheia do equinócio da Primavera. Mais uma passagem: a do Inverno à Primavera e a ligação ao recomeço da vida agrícola, ao reflorescer da vida nos campos.
O ovo, ligado ao ritual da Páscoa, aparece em lendas que se perdem na noite dos tempos. Encontra-se a primeira referência ao ovo nos livros persas que contam como, na noite do Universo, apareceu um ovo que se abriu em dois: E a lua e o sol elevaram-se no firmamento, enquanto a Terra, mais pesada, se imobilizou e se tornou o berço da vida.
Em contos hindus e no “Mahabharata”, a grande epopeia indiana, o ovo é associado ao sol. No contexto da mitologia indiana diz-se que o cosmos respira e descansa dentro de um ovo de ouro.
O ovo é pois um símbolo de vida e também de perfeição.
Foram encontrados ovos decorados nos túmulos pré-históricos e na antiga Roma os romanos levavam um ovo na procissão em honra de Ceres, a deusa da fertilidade. Também ofereciam entre si ovos com os votos de felicidade e abundância.
Em França, no séc. XII, os ovos eram consagrados na igreja para serem distribuídos, pelo rei, à saída da missa pascal. No séc. XV a tradição de oferecer ovos no fim da Quaresma estava estabelecida. Havia uma explicação lógica para a oferta de ovos. Durante a Quaresma época de abstinência, era proibido comer e vender ovos. Os ovos acumulavam-se e ninguém sabia o que fazer a tantos ovos. Por isso começaram a oferecer aos amigos e aos pobres e, para que estes presentes fossem mais agradáveis, começaram a pintá-los e decorá-los. A cor mais usada era o vermelho. No séc. XVIII o maior ovo posto durante a Semana Santa era solenemente oferecido ao rei. Luís XIV mandava benzer grandes cestos cheios de ovos dourados que depois distribuía pelos seus cortesãos.
O costume de pintar os ovos já se verificava no Festival da Primavera do antigo Egipto, na Pérsia, Grécia e em Roma.
Na Rússia os ovos ocupam um lugar de grande destaque nas tradições pascais. Existe uma lenda russa que conta que Maria Madalena comunicou aos Apóstolos a Ressurreição de Cristo oferecendo-lhes um ovo vermelho. No começo os ovos eram pintados em castanho encarniçado ou em verde, colorações obtidas a partir de ervas. Os desenhos pintados nos ovos atingem uma grande elaboração, são normalmente desenhos geométricos, com variadas cores e por vezes apresentam símbolos religiosos. Existe toda uma técnica para efectuar essas pinturas, mergulhando os ovos em vários corantes e aplicando gotas de cera que são depois derretidos e vão dar uma protecção aos desenhos. Os ovos são conservados durante anos mas não podem ser expostos ao sol.
Na Ucrânia, no Domingo, grupos de crianças visitam as casas – o equivalente às nossas “Janeiras” – e entrechocam os respectivos ovos sendo considerado vencedor o ovo cuja casca não se quebrou e que é chamado “KrepaK”. O artesanato local reproduz em madeira as diferentes decorações dos ovos de Páscoa. Como já foi referido, o ovo, símbolo da vida em hibernação que renasce, conheceu grande popularidade entre a aristocracia russa na corte dos czares. Existem hoje no museu do Kremlin dez ovos de páscoa, caixas em forma de ovo, de ouro e esmalte, com pedras preciosas encastoadas, retratos miniatura em esmalte da família Romanov, e que ao serem abertas descobrem outra maravilha que vem de dentro, como por exemplo um globo terrestre em ouro com o mapa da Rússia em esmalte ou uma galinha em ouro com os olhos em rubis. O criador destas maravilhas foi Fabèrgé, mais tarde imitado por Cartier.
Na Inglaterra há uma tradição curiosa, em que o ovo é a personagem principal:” Egg rolling”. As crianças vão deitando por uma encosta ou declive um grande número de ovos, até que fique apenas um, cuja casca permaneça inteira: o “krepaK” anglo-saxónico. Este costume foi levado para os E.U.A. e hoje o mais celebre campeonato de “egg rolling”, realiza-se no relvado do lado sul da casa branca, em Washington. Chegam a estar presentes 10.000 pessoas e o Presidente faz uma breve aparição (os adultos só são autorizados se acompanham uma criança).
Uma outra tradição, desta vez alemã, espalhou-se por toda a Europa e foi igualmente levada para os E.U.A. por emigrantes alemães que se fixaram na Pensylvania. É o cesto de ovos trazido pelo coelhinho - símbolo da fertilidade - que é costume esconder pela casa ou pelo jardim, pondo depois as crianças a procurá-los freneticamente. Os ovos, que a princípio eram ovos cozidos pintados com várias cores e desenhos, transformaram-se agora em ovos de chocolate com vistosas pratas e laçarotes, transformação recente, pois o chocolate “ de comer” só data do princípio do séc. passado.
Portugal, país de costumes simples neste campo, tem uma tradição pascal ligado aos ovos - o folar - um pão doce decorado com ovos cozidos com casca de cebola, para lhe dar o tom de castanho avermelhado. O bolo tem talvez a forma de um cesto, com encanastrado á volta dos ovos, e oferece-se pela Páscoa, sendo o presente tradicional dos padrinhos para os afilhados.
A Páscoa para os cristãos é a festa da ressurreição. A ressurreição de Cristo - o ungido, chamado também de “encarnação do Verbo”. E o que é o Verbo? É a palavra. Cristo é a encarnação da palavra de Deus. O que significa isso ? Significa que Ele é expressão de verdade. Significa que Ele é um sujeito que age de acordo com o que fala.
Certos povos tinham a sensibilidade poética que nós perdemos hoje. A poesia era uma espécie de declaração de amor, da humanidade, pelas palavras. No trabalho com as palavras, o indivíduo retractava a natureza, ainda que ela não correspondesse à natureza visível, mas que correspondia á natureza da alma. Esse retrato da alma com as palavras, esse jogo de amor do homem com as palavras que ele usava, trazia as pessoas para uma esfera de pensamento que as afastava do mal. A poesia sempre teve essa finalidade desde os seus primórdios, relacionada ao acto místico, religioso, e ligados aos esforços para levar a alma humana acima da grosseria da materialidade.
Quando o poeta escolhe o momento da primavera, quando as flores - que segundo os antigos poetas são as palavras, as vozes da natureza – abrem as suas pétalas e “gritam” de alegria, quando ele escolhe esse momento para comemorar uma festa que nos faz lembrar a palavra, quando associa a ressurreição da encarnação do Verbo divino no acto do ressurgimento da força da natureza através das flores (natureza que havia ficado escondida nas árvores desfolhadas pelo inverno), quando escolhe esse momento é porque quer deixar bem claro para as gerações futuras - é para isso que serviam essas festas - que a criação da Natureza é da mesma espécie da criação do Verbo da palavra. Da palavra divina, a Palavra de Deus. Mas por uma ironia da nossa civilização, a Páscoa acontece sempre perto de uma outra festa, de uma outra data comemorativa, vocês lembram-se qual é? É no dia primeiro de abril... O dia da mentira. Quando temos a comemoração do dia da mentira próximo da celebração da Páscoa, tudo nos leva a lembrar da importância de se dizer a verdade. A importância de falar aquilo que é, ou que acreditamos que é, ou que sentimos intimamente que é a verdade. Falar a nossa natureza interior, E dessa maneira despertar todas as forças que a natureza interior têm para oferecer ao mundo.
Na Índia, a importância da palavra, associada ao símbolo do “ovo criador” faz com que a associação simbólica aos pássaros e répteis crie certos emblemas que são muito importantes e fortes na história da humanidade. O pássaro era a representação do espírito. O réptil representava a matéria. De uma maneira grosseira, esse seria o símbolo. Mas é o espírito dentro da nossa mente e a matéria também dentro da nossa mente, porque o ovo representa o trabalho da mente, aquela que cria o universo. O Universo é criado pela grande mente divina, “Mahat”, que significa “grande”. A grande mente de Brahma.
Esses animais estão a representar as duas naturezas distintas da mente: a mente superior e a mente inferior. A mente materializada, associada às formas, representada pelos répteis, e a mente que voa acima dos fenómenos materiais, representada pelos pássaros. Quando a mente superior é capaz de controlar a mente inferior, o indivíduo é sadio na mente e no corpo.
Os antigos sabiam melhor do que nós que a saúde do corpo depende da saúde da alma, da mente – depende do quanto nós estamos mais próximos do espírito em nossa vida e em nossas palavras, e representado o acto da cura por uma ave cravando suas garras numa serpente. A mente superior perdendo sob seu domínio a volúvel mente inferior. E como é que a mente se manifesta por nós? É através da linguagem. Através das palavras. Mais uma vez aqui temos a fórmula que associava o ovo à palavra, à linguagem que nos aproxima uns dos outros.
Por isso também podemos dizer que a humanidade nasce no planeta terra porque a terra é o ovo que incuba essa humanidade, que nos prepara para sair do ovo e viver a nossa natureza superior em outras esferas. Nós precisamos nascer, deixando de ser o embrião dentro do ovo para nos tornarmos o pássaro.
O nascimento do mundo a partir de um ovo é uma ideia comum a Celtas, Gregos, Egípcios, Fenícios, Cananeus, Tibetanos, Hindus, Vietnamitas, Chineses, Japoneses, povos Siberianos e Indonésios, bem como a muitos outros. O processo de manifestação adquire, no entanto, diferentes aspectos; o ovo de serpente celta, representado pelo ouriço do mar fóssil, o ovo cuspido pelo Kneph egípcio, e até pelo Dragão Chinês representam a produção da manifestação pelo verbo. Outras vezes, o homem primordial nasce de um ovo: é o caso de Prajapati de P’na-ku (senhor das criaturas para os Hindus). Heróis chineses nasceram posteriormente de ovos fecundados pelo Sol, ou da ingestão pelas suas mães de ovos fecundados pelo Sol, ou da ingestão pelas suas mães de ovos de aves. Mais frequentemente ainda, o ovo cósmico, nascido das águas primordiais, chocado na sua superfície (pela gansa Hamsa, dizem na Índia, que é o Espírito, o Sopro Divino), separa-se em duas metades para dar origem ao Céu e à Terra: é a polarização do Andrógino. Assim, o Brahmanda (ovo hindu) separa-se em duas semi esferas de ouro e de prata. O ovo de Leda, Deusa Esposa do Rei Espartano Tíndaro, dá origem aos seus filhos deuses Dióscoros, usando cada um deles um toucado semi-esférico.
O Yin-Yang chinês, polarização da Unidade primeira, apresenta um símbolo idêntico nas suas duas metades, negra e branca. O ovo primordial do Xintoísmo, Japão, divide-se igualmente numa metade leve (o Céu) e numa metade densa (a Terra). Ibn Al-Walid, de origem Árabe, representa de forma bastante próxima a Terra, densa como a gema de ovo coagulado, e o Céu, mais leve, como a clara que o envolve.
O ovo é uma realidade primordial que contém em germe a multiplicidade dos seres.
Para os Egípcios, sob a acção de um demiurgo, emergiria do Nun, personificação do oceano primordial, água absoluta que conteria germes de criação em montículo sobre o qual um ovo eclodiria. Desse ovo – o termo, em egípcio, é feminino – sairia um deus, que organizaria o caos, dando origem aos seres diferenciados. O deus Khnum, surgido desse oceano e do ovo primordial, fabricaria, por seu turno, à maneira de um oleiro, ovos ou embriões, ou germes de vida. Seria o modelador das carnes. Mas o Egipto antigo conhecia diversas cosmogonias. Segundo a de Hermópolis, o ovo primordial não era outro senão Qerehet - padroeira das forças vitais da espécie humana. O grande lótus inicial, cujo cálice se ilumina ao abrir-se de manhã na superfície das águas lamacentas do delta, desempenhava o mesmo papel noutras tradições. O próprio Sol teria nascido do germe misterioso que o Ovo-Mãe continha.
Segundo as tradições Cananeias da Palestina, Mochus coloca na origem do mundo o éter e o ar, donde nasce Ulomos (o Infinito). Ulomos gera o ovo cósmico e Chansor (o deus artífice). Chansor abre o ovo cósmico em dois e forma o céu e a terra de cada uma das suas duas metades.
Na Índia, segundo o Chandogya Upanixade, no princípio dos princípios, só havia o Não-Ser. Depois surgiu o Ser. Cresceu e transformou-se num ovo. Repousou durante um ano, e depois rachou. Dois fragmentos da casca apareceram: um de prata, e outro de ouro. O de prata simboliza a terra; o de ouro, o céu. O que era a membrana externa transformou-se nas montanhas; o que era a membrana interna, nas nuvens e nas brumas; o que era as veias, nos rios; o que era a água no oceano.
Segundo as doutrinas Tibetanas, apesar de não ser primordial, o ovo é, no entanto, a origem de uma longa genealogia de homens: Da essência dos cinco elementos primordiais, um grande ovo surgiu. E do ovo surgiram um lago branco, os seres das dez categorias e outros ovos donde saíram os membros, os cinco sentidos, os homens, as mulheres... ou seja, uma longa genealogia de antepassados ancestrais.
Nas tradições Chinesas, antes de qualquer distinção entre o céu e a terra, o próprio “caos” tinha a aparência de um ovo de galinha. No fim de 18.000 anos (número-símbolo de um período indefinido), o ovo-caos abriu-se: os elementos pesados formaram a terra (Yin); os elementos leves e puros, o céu (Yang). O espaço que os separava crescia todos os dias. No fim de 18.000 anos, P’an Ku mediu a distância entre o céu e a terra. A teoria Huen-t’ien , por seu lado, concebe o mundo como um ovo imenso, posto na vertical sobre o seu diâmetro mais comprido. O céu e os astros estão na parte interior e superior da casca; a terra é a gema a flutuar no meio do oceano primordial que preenche o fundo do ovo. As estações são provocadas pelas agitações periódicas desse Oceano.
O Grande Templo Inca de Coricancha, em Cuzco, tinha como principal ornamento uma placa de ouro de forma oval, ladeada por esculturas representando a Lua e o Sol. Lehman Nitsche vê nisso a representação da divindade suprema dos Incas, Huiracocha, sob a forma do ovo cósmico. Cita, em apoio da sua tese, vários mitos cosmológicos recolhidos no Peru pelos primeiros cronistas espanhóis, entre os quais: o herói criador pede ao seu pai, o Sol, para criar os homens, a fim de povoar o mundo. Este envia três ovos para a terra. Do primeiro, ovo de ouro, saíram os nobres; do segundo, ovo de prata, saíram as suas mulheres; do terceiro, enfim, ovo de cobre, surgiu o povo. Numa variante, esses três ovos caem do céu depois do dilúvio.
O nome de Huiracocha seria a abreviatura de Kon-Tiksi-Huira-Kocha, que significa “Deus do Mar de Lava, ou do Fluido Ígneo do Interior da Terra. Huiracocha era, com efeito, o senhor dos vulcões.
O mito do ovo cósmico encontra-se também entre os Dogons e os Bambaras do Mali. O grifo, vida do mundo dos Dogons, representa-o na ponta superior da rosa-dos-ventos, em oposição a um outro ovo, aberto para baixo, e que é a matriz terrestre, o jarro fêmea – Gris. O ovo cósmico, para os Bambaras, é o Espírito primeiro, produzido, no centro da vibração sonora, pelo redemoinho desta. Assim, este ovo forma-se, concentra-se, e pouco a pouco separa-se da vibração, incha, murmura, mantém-se sozinho no espaço, eleva-se e rebenta, deixando cair os vinte e dois elementos fundamentais formados no seu seio, e que presidirão à ordenação da criação em vinte e duas categorias – Dieb.
Para os Licubas e Licualas do Congo, segundo o que J.P. Lebeuf nos relata do seu pensamento cosmogónico, o ovo é uma imagem do mundo e da perfeição. A gema representa a humidade feminina, a clara, o esperma masculino. A casca, cujo interior é isolado por uma membrana, representa o Sol, surgido da casca do ovo cósmico, que teria queimado a terra, se o criador não tivesse transformado a membrana em atmosfera húmida. Por isso, os Licubas e os Licualas dizem que o homem deve esforçar-se por se parecer com um ovo.
Em Kalevala, Finlândia, há uma lenda e diz que antes do nascimento do tempo, a Virgem, deusa das águas, deixou que o seu joelho aparecesse à superfície das águas primordiais. O pato, senhor do ar, pôs nele sete ovos, dos quais seis eram de ouro e um era de ferro. A virgem mergulhou, os ovos abriram-se nas águas primordiais e todos os pedaços se transformaram em coisas boas e úteis: a parte de baixo da casca de ovo formou o firmamento sublime, a parte de cima da gema tornou-se o Sol radiante, a parte de cima da clara surgiu no céu como a Lua luminosa. Toda a pequenina mancha da casca se tornou uma estrela no firmamento, todo o bocadinho escuro da casca se tornou uma nuvem do ar e o tempo avançou desde então.
Por isso, o ovo é muitas vezes uma representação do poder criador da luz.
Na cultura Celta não existe qualquer testemunho directo sobre o simbolismo do Ovo. Este está inserido no do ouriço-do-mar fóssil, ovum anguinum, ou ovo cósmico que contém em germe todas as possibilidades.
Na estrutura de todas estas cosmogonias, o ovo desempenha o papel de uma imagem-padrão da totalidade. Mas ele surge, geralmente, no caos, como um primeiro princípio de organização. A totalidade das diferenças provém dele, e não do magma indiferenciado das origens. Se o ovo não é realmente o primeiro, simboliza, no entanto, o germe das primeiras diferenciações. O ovo cósmico e primordial é uno, mas encerra ao mesmo tempo o céu e a terra, as águas inferiores e as águas superiores; na sua totalidade única, comporta todas as múltiplas virtualidades."
DUARTE MORGADO - 2003